Revista de Taijiquan 2014

Artes Marciais Internas

Um discurso sobre o significado do termo “Arte Marcial Interna”

por Jan Silberstorff, Diretor Técnico da WCTA-Br (CXWTABR – World Chen Xiaowang Taijiquan Association). Tradução de Jucival Souza.

Muitas respostas são possíveis quando consideramos o aspecto marcial do Taijiquan (Tai Chi Chuan): às vezes as pessoas preferem evitar o assunto, às vezes elas rejeitam, e às vezes elas têm uma visão muito romântica e exagerada. A maioria dos praticantes e a maioria dos professores, se forem sinceros consigo mesmos, desconhecem a verdadeira relação e a compreensão deste aspecto do Taijiquan (Tai Chi Chuan). O seu nível de habilidade muitas vezes não é suficiente para compreender adequadamente os aspectos práticos e os termos correspondentes. Ao ler os textos clássicos de Taijiquan (Tai Chi Chuan) podemos presumir um alto nível por parte do autor dos textos, mas é justamente esse alto nível e a forma como ele se expressa que, mais uma vez, torna o texto incompreensível para a maioria dos leitores.
Até mesmo o termo “arte marcial interna” (nei jia quan), embora relativamente generalizado, provavelmente se beneficiaria de uma análise terminológica clara:

1. Arte marcial (wu shu, aqui: quan)

 O termo arte marcial (wu = luta, guerra, shu = técnica, arte ou quan = punho, como sinônimo de arte marcial), é utilizado como um sistema de habilidades de luta que não deve ser entendido nem no sentido esportivo, (“esporte de combate” ou “desporto de competição marcial”), nem reduzido ao sentido marcial (“habilidades de guerra”). Em vez disso, nós nos referimos a um sistema eficaz de habilidades descritas acima que merece o termo “arte”, porque, em primeiro lugar, superam as habilidades normais neste campo e em segundo lugar (e de fato, devido ao primeiro fator) que deve envolver todos os níveis do ser. Sem este último aspecto, as habilidades não iriam alcançar seus objetivos elevados e o termo “arte” não se justificaria. Nos textos clássicos, no entanto, o termo “arte” não é traduzido no sentido de “artificial” – a transformação de um conteúdo, que pode ser original na natureza, em forma de arte, tal como a conhecida como “moderna” ou “patrocinada pelo Estado”.
Wu Shu (guo jia wu shu), que manifesta o seu verdadeiro significado apenas de forma simbólica, ou que, de outra forma, faz apenas concessões nesse sentido, não será, portanto, incluído na definição original do termo. Por esta razão, estas práticas do wu shu moderno não serão consideradas neste artigo. Para resumir: a arte marcial representa um dos conceitos mais básicos de autodefesa, no sentido mais holístico e eficaz no processo pelo qual todas as áreas da existência humana devem ser envolvidas e refinadas. Perfeição seria o objetivo final.

2. O aspecto “interno” (nei) da arte marcial

Logo de início, deve-se dizer que, se algo deseja alcançar as exigências de arte marcial como definida na Seção 1, não pode haver nenhuma arte marcial puramente interna. Isso só pode ser uma parte. Arte marcial em sua completa manifestação não é nem puramente interna nem puramente externa. Uma arte marcial completa, e apenas como uma arte, que é digna de servir como um estilo de vida tem aspectos internos e externos. No entanto, o objetivo deste artigo é o de olhar atentamente para o termo arte marcial “interna”. Embora este aspecto interno seja a fonte de todos os aspectos externos, parece que, pelo menos atualmente, muitas vezes é dada menos atenção e é muitas vezes interpretado erroneamente. Há, portanto, uma boa razão para observar detalhadamente essa área das artes marciais. O aspecto interno é menos óbvio, é sutil e não pode ser apreendido ou aprendido rapidamente. O “interno” é a fonte, o espírito, a partir do qual todas as outras coisas são formadas e transformadas em uma energia que é então expressa externamente (wai) pelo corpo.
Taijiquan (Tai Chi Chuan) é uma arte marcial que geralmente parece exclusivamente macia e suave para o observador leigo (“superar a dureza com suavidade”, yi rou ke gang). Por esta razão, é, portanto, considerada automaticamente como uma arte “interna”. Este desenvolvimento interno, porém, já prepara o caminho para habilidades “externas” (i.e. oposição na natureza). Devemos entender que a dureza pode surgir de grande suavidade, como definido nos clássicos: “(uma barra) ferro envolvido (escondido) no algodão” (mian li cang zhen) e vice-versa: “suavidade misturada com dureza (solidez)” (yi rou ji gang). Taijiquan (Tai Chi Chuan) está principalmente voltado para o desenvolvimento das chamadas energias internas às quais na aplicação marcial se manifestam externamente como força. Um conselho frequentemente enfatizado é que essa força interna deve ser usada em vez da força muscular, e que não se deve opor a força do oponente com sua própria força, mas ao contrário (“superar a dureza com suavidade”, yi rou gang ke). No que se refere à utilização da força muscular isto não é totalmente correto. Como meu Grão Mestre Chen Xiao Wang tão bem coloca: “Com Qi sozinho ninguém consegue levantar da cama pela manhã.” Isso significa que todo movimento físico necessita do movimento muscular. É realmente uma questão de movimentos extremamente harmonizados entre forças internas e externas que são tão sutis, que o movimento real não é mais notado, e então parece que a força muscular não existe. Seria melhor dizer: “Através do movimento mais sutil, o esforço muscular exigido para o resultado desejado é minimizado”. Desta forma, a pessoa se torna capaz de “superar a força de £ 1000 com habilidade” (yi qiao po qian jin). O objetivo aqui é, evidentemente, o mesmo que em qualquer outro lugar: atingir o melhor resultado com o mínimo de esforço.
Deste modo, o interior e o exterior podem interagir, de nível para nível, tornando-se cada vez mais sutil (etéreo) e, aparentemente, “invisível”, i.e. menor. Se dermos um passo adiante na mística do Taijiquan (Tai Chi Chuan), os movimentos tornam-se tão pequenos e finos que praticamente já não existem. Como os clássicos dizem: “Os grandes movimentos (grosso) não são melhores do que os pequenos. Os pequenos movimentos não são melhores do que os não movimentos. Do não movimento, o verdadeiro movimento surge”. Visto de forma natural, a seguinte frase seria, portanto, verdadeira: “Iniciada internamente, dado forma externamente, não há dentro e nem fora.” Esta não é uma frase dos clássicos, é apenas algo que eu pensei. Mas já contem os dois pilares essenciais do Taijiquan (Tai Chi Chuan): as Três Harmonias Internas (nei san he, veja abaixo) e as Três Harmonias externas (wai san he, ver mais abaixo). De forma perfeita, as duais parecem agir em conjunto indivisível e já não podem ser distinguidas umas das outras. Taijiquan (Tai Chi Chuan) é uma arte marcial que tem o princípio do yin e yang como seu núcleo. Esta é a harmonização de duro e macio, acima e abaixo, à esquerda e à direita, e: interno e externo!
Precisamos cultivar a unidade mental (xin yu yi he = conectar coração e atenção). Sentimentos ou pensamentos conflitantes são as maiores barreiras para o nosso sucesso. Apenas pura determinação, decorrente da verdade interior, pode gerar uma energia total, integral e totalmente focada que, então, une-se com as potencialidades do corpo (qi li yu he = combinação de força interna e externa). Só isso pode mover o corpo como um todo unido (jin yu gu he = ligando os tendões com os ossos). Unidade Mental desenvolve totalidade energética. Esta por sua vez, permite ao corpo atuar em sua forma ideal. Isto significa que as Três Harmonias Internas foram alcançadas (nei san he). Para conseguir esse efeito, o corpo deve estar unido em seus aspectos externos: todas as áreas do corpo físico devem ser organizadas e estruturadas em relação umas as outras para que tudo possa ser perfeitamente transmitido (conectar ombros e quadris (jian yu kua he), conectar cotovelos e joelhos (zhou yu xi he) e conectar mãos e pés (shou he zu he)). Isto significa que as Três Harmonias Externas foram alcançadas (wai san he). Clareza no corpo e na mente significa a ausência de todos os tipos de sentimentos perturbadores. Estes incluem emoções como medo, raiva, euforia, etc. Também não deve haver desvios posturais, o que impediria a transmissão eficaz da força em um sentido físico. Estas falhas, chamadas coloquialmente “bloqueios internos e externos” podem enfraquecer suas próprias ações de várias formas e, finalmente, torná-las ineficazes.
Como mostrado acima, esta descrição da natureza global do “interno” e “externo” já lida com uma área que é frequentemente descrita como sendo “interna”. Em outras palavras, muito do que eu descreveria como “externo” é para o novato, já situado no interno. Isto pode ser visto nos clássicos do Taijiquan (Tai Chi Chuan), que não fazem qualquer menção a “arte marcial interna” como o termo é utilizado hoje em dia. Tendo isso em mente, não seria razoável classificar uma arte marcial – se esta reivindica plenitude – como sendo apenas uma ou outra. Este artigo, portanto, seria muito simplista caso se limitasse a utilizar um conceito de energia puramente interna versus a força muscular externa. Por outro lado: embora muitos dos textos clássicos de Shaolinquan, (que é considerado como uma arte “externa”) sejam idênticos aos de Taijiquan (Tai Chi Chuan), e este sistema inclua também uma elevada proporção de Qigong, os métodos de treinamento dos dois sistemas (pelo menos como os conhecemos hoje) parecem muito diferentes. Vamos, portanto, considerar essa definição de escolas “interna” e “externa” superada. No entanto, acredito que ambos os sistemas, na perfeição, alcançam um movimento físico unificado com um impulso do interno para externo, embora sem lapso temporal. Assim, não há diferenciação entre os dois, que são simultâneos, indivisíveis uns dos outros e, portanto, sequenciais, de modo que, neste sentido, não há mais “interno e externo”.
 Para não correr o risco de complicar as coisas, eu vou voltar para o conceito básico do Taijiquan (Tai Chi Chuan) como expressão de combate e tentar reduzi-lo a um princípio geralmente aplicável, tornando-o compreensível. Devido à natureza do artigo, vou abordar apenas a fundamentação do material. Para este fim, irei (como antes) adicionar a terminologia clássica como suporte e, assim, auxiliar o leitor a entender os significados clássicos muito mais profundos. Suponho que o leitor conheça tais textos clássicos e, portanto, não irei descrever estes termos em detalhe. Para o novato espero que o artigo já contenha informações suficientes para que ele se convença de não ser capaz de fazer estes links. Para não alongar o artigo ainda mais, também gostaria de ressaltar que as descrições referem-se apenas aos confrontos genuinamente físicos. Assumimos que todas as negociações diplomáticas já falharam ou que nunca houve qualquer oportunidade para elas. Além disso, não há qualquer possibilidade de evitar o confronto. Então, agora vamos nos dedicar, exclusivamente, ao momento ao qual ninguém quer experimentar, mas que tantos glorificam no seu treino: um ataque físico real, com todo o seu choque e maldade.

Supondo que uma pessoa, que está em risco de vida, está sob um estresse extremo, está provado que a amplitude de movimento disponível para alguém nesta situação é significativamente reduzida em comparação às condições normais. Os joelhos ficam fracos, um conjunto de sinais de paralisia surge, e a coordenação mais simples de repente não é mais possível. Isso torna a maioria das técnicas que são ensinadas em aulas convencionais de artes marciais impraticáveis, por serem muito complicadas. Lembro-me de várias demonstrações em que renomados mestres de artes marciais queriam, por exemplo, realizar variações de técnica em uma perna e se desequilibrarem por causa do medo do palco. Eu compreendo totalmente essas pessoas, mas se as coisas já vão mal graças ao nervosismo em uma situação socialmente favorável, eu me pergunto o que aconteceria sob uma situação extremamente tensa – perigo mortal? Os movimentos devem, portanto, ser simples e diretos. Uma vez que minha mente lógica não será capaz de agir, a naturalidade do meu movimento desempenha um papel crucial. Finalmente, nada pode funcionar sem equilíbrio. Assim, podemos resumir as seguintes qualidades como fundamentais:

  • Naturalidade (zi ran)
  • Simplicidade (chun)
  • Equilíbrio (zhong)

 
É exclusivamente no âmbito desses três aspectos que nossa técnica é definida:
Nossa mente deve estar calma e equilibrada. Isso só pode ser uma piada, você pode pensar. Como posso manter a calma quando temo pela minha vida? A resposta é muito simples – por não estar completamente lá. Ou seja, eu estou em um estado de ausência. Minha personalidade, meu ego, minha mente lógica – nenhum deles está envolvido. Através do meu treinamento, eu devo ser capaz de criar uma sensação de vazio em mim. Através desse vazio, eu sou capaz de estabelecer, ou redescobrir, uma relação de confiança com a minha natureza inerente. Ele luta – eu não luto. “A melhor luta é a luta que eu não iniciar” – esta frase clássica tem um significado altamente pragmático. A rota de fuga é cortada, não tenho outra escolha, eu tenho que enfrentar a situação. E ainda assim, vou lutar melhor quando eu não lutar. Ou seja, quando o Eu não lutar. Eu devo ser capaz de me deixar totalmente. Eu, a minha mente lógica e meu ego, somos muito lentos, tomamos muitas decisões, reações e emoções erradas.
Eu devo ser capaz de reconhecer o Wuji atrás do Taiji. Minhas ações estão em Taiji, mas a fonte está no Wuji. Assim, na situação real, acontece que a pessoa não experimenta conscientemente a luta, só depois, quando o filme, por assim dizer, repete-se. De que outra forma, sem a minha própria ausência, eu poderia alcançar a naturalidade? Dificilmente será possível comigo, como o ser condicionado que eu sou. Este é o significado de “calma”: Deixando de lado a si mesmo, como a mais alta forma de “fang song”-“relaxamento“ e “soltura”’. Isto me permite ter uma mente clara, que deve estar unificada e concentrada. É preciso estar claro que eu não devo escolher o que fazer: “O adversário não se move, eu não me movo, o adversário se move, eu já estou lá” (bi bu dong, wo bu dong bi yi dong, wo xian dong) – lá vai mais um ditado clássico. Eu não sou o primeiro a mover-me. Mas no momento em que o outro começa a atacar, eu termino o assunto com 100% de aproveitamento. Quanto a isso, eu preciso perceber alguns fatores essenciais sobre luta:

  1. Não é o punho que me ataca, mas quem move o punho.
  2. Não é a dor sofrida pelo adversário – ou uma eventual reavaliação do problema de sua parte – que é a minha salvação, mas a incapacidade temporária do adversário.

Estes dois pontos têm uma consequência simples:

  1. Eu não me defendo por conter os golpes do adversário, mas por neutralizar o adversário em si.
  2. Eu preciso acertá-lo diretamente e resolutamente para garantir que mais um ataque não vai me abater. Esta abordagem consistente não permite assumir um papel de vítima.

Pode soar violento para os leigos, mas todo mundo que passou por estas situações sabe como é difícil sobreviver “à coisa real”. Não se esqueça: na situação descrita, já estamos no meio da agressão física, não antes! Mais uma vez, a maioria dos chamados artistas marciais falha porque eles estão conscientes de sua técnica, mas não da situação real. Em profissões modernas, onde o conflito físico é a ordem do dia, muitas vezes as coisas são completamente invertidas: a técnica pode ser falha, por vezes, mas a energia da situação é muitas vezes mais clara. Isso nos leva inevitavelmente a um significado mais fundamental da frase “A melhor luta é aquela que não lutamos” – Minha ação deve ser tão imediata e direta que a luta não chega nem a acontecer. Cada “luta” descreve uma seqüência temporal de golpes e outros movimentos de luta. Isto é, por assim dizer, uma soma de erros, i.e. ataques e contra ataques falhos, porque caso contrário, a luta já teria sido concluída. Se, contudo, um ataque é barrado diretamente com uma única, mas conclusiva ação, então seria mais apropriado falar de um nocaute, e não de uma luta. Não houve “seqüência de acontecimentos” nesse sentido. Considere todas as lutas lendárias dos grandes mestres de Taiji como Yang Luchan ou Chen Fake. Elas não foram grandes lutas comentadas – nada como as famosas disputas entre Ali e Frazier ou Foreman. Não é assim: houve um ataque, e no mesmo momento o agressor foi arremessado, ou recebeu um golpe que o derrubou imediatamente. Nesse sentido, não há uma seqüência temporal entre ataque e defesa, isso acontece mais ou menos no mesmo momento, em que – como disse – o ataque começa primeiro, mas a defesa chega primeiro. Se fôssemos aperfeiçoar este processo, o ataque começaria e imediatamente, o adversário o rechaçaria, antes mesmo dele começar, embora ele já tenha começado, e, portanto, nenhum confronto físico de qualquer tipo ocorre. Ele já teria sido combatido durante a preparação mental. Um famoso exemplo é o conto dos dois guerreiros samurais que ficam imóveis um em frente ao outro até que um deles desiste. Essa capacidade leva à projeção de autoconfiança que geralmente me exclui como uma vítima “do acaso”. Mas cuidado: isso requer um alto nível de habilidade e não apenas intenções pacifistas. Ainda de acordo com o princípio budista do vazio perfeito, o qual não dá base a um ataque, este deve ser verdadeiro e não apenas desejado ou esperado. Nós não podemos criar a paz apenas por “querer”, enquanto ainda temos tanta agressão escondida dentro de nós. Estes sentimentos irradiam e isso é exatamente o que fornece inconscientemente estímulo suficiente para um ataque. Em suma: só é possível para nós, deixar o adversário sem base para seu ataque, quando nós realmente não temos um lugar em nós mesmos, e isso é difícil. Uma analogia que podemos citar é a famosa história do pardal que não foi capaz de voar a partir do ombro de Yang Luchan porque ele não deu uma base de apoio ao pássaro, para a decolagem. Ele foi capaz de antecipar todos os movimentos da ave por ceder primeiro. De fato, para uma pessoa é necessário funcionar exatamente da mesma maneira no nível mental, de modo que o agressor é também incapaz de encontrar uma plataforma de movimento, nem física, nem mentalmente.
Há ainda um ditado em Taijiquan (Tai Chi Chuan) que diz respeito a ambas as partes no conflito: “O adversário se move lentamente, eu me movo lentamente, o adversário se move rápido, eu me movo rápido.” Isso significa que assumindo “ausência” interior, e a naturalidade resultante, meu interior age exatamente da maneira a qual ele é confrontado. Se o ataque é inofensivo, então a minha iniciativa também o é. Se ele é muito sério e determinado, então eu ajo da mesma maneira. Deste modo, eu evito o problema de exagerar ou ter uma reação inferior. Eu sou, por assim dizer, a sombra do adversário. Isso deve, como disse, ocorrer em um estado de naturalidade, porque não há espaço ou tempo aqui para decisões conscientes. Para atingir essa simplicidade e rapidez na minha capacidade de adaptação, eu devo estar focado, em Taijiquan (Tai Chi Chuan), o que significa centrado. Através do meu próprio equilíbrio e da estrutura do corpo desenvolvido nesta base eu consigo – com desenvolvimento do bom Taijiquan (Tai Chi Chuan) – mover todo o meu corpo de uma forma que não pode ser interrompido a partir do exterior. Isto me permite expressar todas as minhas energias com foco total por todo o corpo. Por me orientar em direção ao centro do adversário, posso garantir que os meus golpes pousam apenas em áreas fundamentais: nos locais onde o golpe torna o adversário incapaz de lutar. Curiosamente, pode-se aplicar aqui uma frase da famosa enciclopédia alemã “Brockhaus”, sobre o termo “Wushu”: “Wushu é baseado na calma interior, na concentração dos movimentos e posturas e em internalizar todas as ações em um ponto de foco”.
Além disso, essa orientação no centro cria um nível mais elevado, com uma percepção cada vez mais fina da ação do adversário. Isso passa, não só para o ponto onde a ação ainda não tenha ocorrido, mas até o ponto em que o próprio oponente ainda não sabe que ele está prestes a se mover. Em outras palavras, logo após o início do movimento, mas pouco antes do protagonista percebê-lo. É por isso que Chen Wangting, fundador do estilo Chen, diz: “Ninguém me conhece, mas eu conheço a todos.” Uma vez que eu possa controlar o centro do oponente, eu posso acompanhar e adaptar-me, a todos os seus movimentos, o que significa que ele não pode mais me atingir. Como já dito anteriormente na citação de Chen Wangting, através do nosso controle do adversário, ele é incapaz de controlar o nosso centro. Isso significa que ele é incapaz de nos conhecer, ou seja, nossa ação sempre irá surpreendê-lo. E isso é independente de se o movimento é rápido, lento, dissimulado, ou óbvio. Completamente de acordo com as citações de Chen Changxing, o professor de Yang Luchan: “Golpeie de modo que sua mão não seja vista. Quando ela é então vista, nada pode ser feito contra ela.” Isso não é uma questão de destreza, velocidade ou fintas, é simplesmente exercer o princípio, e o consequente controle do centro.
Isso sempre ocorre no âmbito de “aparar” (peng), de “ceder” (lu), de “pressionar” (ji), de “empurrar” (an), de “puxar para baixo” (cai), de “separar” (lie), de “golpear com o cotovelo” (zhou) e de “golpear com o ombro” (kao), e dentro das cinco direções do movimento e seus elementos (wu xing). Mas estas 8 técnicas básicas também (no estilo Chen 13 técnicas básicas: “bater de baixo para cima” (teng), “esquivar de cima para baixo” (shan), “torcer” (zhi), “tornar-se vazio” (kong) e “permanecer no princípio” (huo)), bem como as direções dos cinco passos, surgem da natureza da situação, não da minha vontade. Assim como a minha vontade esta completamente ausente, nós também não precisamos ter nenhuma preocupação de cunho filosófico ou ético. Onde não houver vontade, também não há sofrimento. A técnica de Taijiquan (Tai Chi Chuan) pode, da maneira descrita aqui, nunca ser usada de uma forma negativa, porque não há nenhum “eu”, que possa fazer isso. Assim, também não há nada que queira algo ou tenha uma iniciativa individual (wu wei). Isto está de acordo com a imagem da água que, de acordo com Laotse (Daodejing verso oito) “adapta-se a tudo e, no entanto nada quer para si”. Da mesma forma, a “ponte” do ataque é decisiva para o conceito definido aqui e, portanto, pode ser utilizado para a defesa.
É o processo de “abdicar de si mesmo” descrito acima, que também contém a enorme possibilidade para o desenvolvimento espiritual no Taijiquan (Tai Chi Chuan). Através da superação do “Eu” e o princípio relacionado, eu consigo superar as limitações temporais: a partir do inconstante para o constante, a partir do transitório ao unificado, e ao eterno. Em suma: do caos ao Taiji e do Taiji para Wuji.
A forma no Taijiquan (Tai Chi Chuan) deve, portanto, ser treinada de modo que revele sua natureza simples e direta na aplicação marcial. Esta técnica deve ser incorporada na forma em uma estrutura interna e externa, que já não pode ser superada a partir do exterior. Deve ser meditativa, de modo que a atenção pode penetrar profundamente nas regiões do interior. Através da resultante liberação de barreiras físicas e mentais, além da prática deve criar um estado de naturalidade que revela conhecimento intuitivo correto e ação em cada situação. Portanto, duas coisas devem ser desenvolvidas que são indissociáveis no processo de treinamento do Taijiquan (Tai Chi Chuan):

  1. No nível mental, um estado de naturalidade original deve ser revelado para agir independentemente do nosso caráter e da socialização, e um corpo físico deve ser formado que permita esta naturalidade interior expressar-se a 100%.
  2. A sabedoria surge através da indivisível compreensão (holístico). Esta sabedoria em Taijiquan (Tai Chi Chuan) não está sujeita a divisões e pode, assim, ser expressa mental e fisicamente.

Naturalmente, esta é apenas um breve panorama das formas como o Taijiquan (Tai Chi Chuan) pode realmente ser aplicado. A maneira de dominar esse conceito é obviamente, através do treinamento correto, sério e persistente. Mas eu espero que eu tenha sido capaz de lançar um pouco de luz sobre um assunto que muitas vezes é tão mal compreendido.